29/06/2005

Dei voltas. De braços esticados, abertos. De olhos fechados, ensanguentados.
O relógio não deu horas. O sol não nasceu. As estrelas partiram e o céu ficou vermelho. Fora isso. Fora eu. Uma arvore. Um canto, sem edifício. Uma paragem. Uma bolinha de sabão.
O autocarro não passou. Eu não esperei. Fui a pé. Não havia caminho e a arvore era agora um baloiço pendurado numa nuvem cor de laranja que estava imóvel no céu vermelho.
A mim só me apetecia parar. Tinha os pés cansados dos caminhos todos sem fim. Das escolhas desacertadas. Mas o chão fugia-me a cada passo e todo o terreno era inseguro.
Agarrei-me à bolinha de sabão e subi até à nuvem cor de laranja que segurava o baloiço que só agora notara ser em forma de sol. Sentei-me na nuvem. Puxei o baloiço para cima. Agarrei no sol e atirei-o ao céu. Ele prendeu-se no manto vermelho, clareou. Comi a nuvem. Cai.


Não podemos desejar o chão quando fomos feitos para voar...



[Adormeci no sofá… Fora isso, acordei desorientada e com um sabor a laranja na boca]

26/06/2005

24 de Junho de 2005

Nunca sei muito bem distinguir os sonhos da realidade, alias a maior parte das vezes faço por não os distinguir.

Sei que hoje amanheceu cedo. Ou eu deitei-me tarde.
Nunca sei ao certo como estas coisas acontecem. Talvez porque nunca aconteçam.
Sei que eram os teus olhos, sei que era o teu cheiro, sei que era a tua boca. Sei que eras tu.
Se eras sonho ou realidade? Não sei bem.
Sei que nos perdemos, que nos encontramos, que voamos.
Sei que fechei os olhos ainda a ver-te e acordei no teu abraço.
Se é pouco? Tão nada… tão tudo…

Sei que hoje me preparo para dormir sem ti…
Se me importo? Nem tanto… Nem um pouco…

Porque sei que donde nos perdemos ontem não voltamos mais…
Vamos ficar para sempre lá perdidos. Onde aprendemos a voar. Juntos.
Porque para sempre é sempre que quisermos…



Jorge Palma - Valsa de um homem carente
Se alguma vez te parecer
ouvir coisas sem sentido
não ligues, sou eu a dizer
que quero ficar contigo

e apenas obedeço
com as artes que conheço
ao princípio activo
que rege desde o começo
e mantém o mundo vivo

se alguma vez me vires fazer
figuras teatrais
dignas dum palhaço pobre
sou eu a dançar a mais nobre
das danças nupciais
vê minhas plumas cardeais
em todo o seu esplendor
sou eu, sou eu, nem mais
a suplicar o teu amor


é a dança mais pungente
mão atrás e outra à frente
valsa de um homem carente

24/06/2005

Aquelas palavras pesadas

(3 de Julho de 2004)
Onde se guarda o Adoro-te?
Onde se esconde o Amo-te?
Para que servem afinal?
É alimento o amor que damos? Ou é fome?


Dou comigo muitas vezes a pensar no que fazer com o peso do que sinto. Quando não temos alvo para atirar, nem corpo para carregar de nós. Onde metemos o adoro-te quando já ninguém o quer ouvir? Ou quando já ninguém o merece? As palavras não morrem com os seus destinos. Mudam de morada, de corpo, não morrem. Mas quando as enviamos para parte incerta, sem nome no destinatário, será que elas acertam na porta? Será que não se perdem pelo caminho. Eu perco-me todos os dias e trago um Amo-te agarrado a garganta que não sai, não mata e não morre.

(excerto de uma carta)

20/06/2005

Faz de conta...

Às vezes tenho vontade de mandar tudo ao ar. De deitar tudo a perder. De esvaziar os bolsos todos de todas as coisas que conquistei. Às vezes acho que a vida que levo é a vida que criei.

E depois, volta e meia, apareces tu.
Sais dos meus sonhos. Sem pedir. Entras e sais. Achas que a minha alma é tua?
Fazes do meu corpo teu palco. E cantas…

Fazes de conta que sempre estiveste aqui. Fazes de conta que ainda vens a tempo de cumprir todas as promessas que eu já esqueci. Fazes de conta que és meu.

e eu tantas vezes, estúpida, acredito


Fazes de conta que não vais embora. Mesmo quando já me viraste as costas.
Fazes de conta que a culpa é minha. Sempre minha. Que fui eu que não te soube amar.

só não sabe amar quem pelo menos ama


Fazes de conta que a razão é tua. Sempre tua. Só tua. Quando sais a fingir que ficas deixas sempre para trás qualquer coisa para voltares. E voltas sempre.
Fazes de conta que voltas.

Às vezes, quando em noites frias sinto o calor da tua mão, por baixo de uma mesa de café qualquer, sinto vontade de fazer de conta que sou tua. De fazer de conta que não tenho vida. Que não inventei uma outra história para mim onde tu não entras. Tenho vontade de fazer de conta que deito tudo a perder para fazer de conta que fico contigo para sempre.
Às vezes… Às vezes canso-me do faz de conta que é a minha vida e apetece-me acreditar em tudo aquilo que tu fazes de conta que é real.
Como podemos andar tão trocados?
Como nos podemos enganar tanto?
Como nos perdemos, meu amor?



E fazemos de conta que não nos queremos. Fazemos de conta que temos uma vida normal, que somos felizes.
Fazemos de conta que… Fazemos de conta que vivemos.

No dia que fizeres de conta que vais partir para sempre, eu vou fazer de conta que não me vou importar…

E todas as lágrimas que vires, faz de conta que são de quem não as sabe mais guardar.

Já não sei mais fazer de conta que sou aquilo que não quero ser.
Morri no dia em que fiz de conta que não te queria mais.

Toranja - Contos
Não posso ser só eu a dar sentido à razão
Vais ter que vir tu e arrancar-me a escuridão
É que ás vezes quem vence fica sempre a perder
Vamos deixar de usar armas no que queremos ser.

Mas tens que escrever quem vês em mim
Vais ter que contar quanto dás por nós
Sem mais Contos de embalar.

Não podes ser só tu a dar sentido ao buraco
Se não te queres lembrar do que sentiste no fundo
Agora tens que vir tu saciar-me os segredos
Porque é fácil de mais o que me queres vender.

Mas tens que escrever quem vês em mim
Vais ter que contar quanto dás por nós
Sem mais Contos de embalar.

Mas tens que escrever quem vês em mim
Vais ter que contar quanto dás por nós
Vais ter que despir o que tenho a mais
Por ver sempre tudo a desconstruir
Por cima da raiz que nunca sai
Que volta a crescer por não parar

Que volta a crescer por ser maior
Voltou a crescer sem avisar!
Sem mais Contos de embalar.

19/06/2005

Meia perdida... Meia achada

Um passo ao lado, ou um susto mal pregado.
Um salto sem fundo e sem impulso. Sem chão. Sem céu.
Meia desencontrada do caminho. Meia perdida e meia achada.
Um não saber estar parada.
Uma busca de uma ilusão. Dos sonhos todos que estão na mão.
Uns olhos fechados. Uns braços esticados.
Meia embaraçada. Meia perdida e meia achada

Mal eu sabia que a vida nos rouba os sonhos...

11/06/2005

Nunca sabes ao certo se te magoas

Sais e voltas a entrar. Arranjas-te e voltas a sair. Sempre com pressa. Tropeças, cais. Rasgas-te toda. E nunca sabes ao certo se te magoas, porque no fundo voltas sempre a cair. É normal em ti. És tu assim. Em cada passo trocado encontras-te, inventas-te e dizes sempre a sorrir que és assim.
Não te importas com as nódoas negras que a vida te vai deixando nos joelhos. Nem te incomoda as mãos arranhadas. Tens as calças todas rasgadas e nem dás conta. Sempre com pressa de tropeçar noutra esquina. Sempre sem medo de te magoares, porque no fundo, nem sabes ao certo se te magoas.
Já conheces o chão de cor. Já lhe sabes o cheiro. E gostas. Ou então gostas de fazer de conta que gostas, para não terem pena de ti quando te virem estendida no chão depois de mais um passo enganado.
Cais e levantas-te, só para mais tarde teres o prazer de cair outra vez. Vives a tropeçar nas pedras, nos degraus, nas pernas dos outros, nas tuas. Vives a vida a lamber o chão. E finges que gostas. E nunca sabes ao certo se te magoas.
Já conheces o caminho de cor e salteado para todos os sítios que podes ir, mesmo assim não consegues não tropeçar. Deve ser essa tua mania de ir a dançar. Essa tua mania de estar sempre a olhar as gaivotas. Deve ser essa tua mania de te atirares para o chão, para fingir que não sofres, para fingir que és forte. Só para tu acreditares.

Feita bailarina de papel, que dança trocada, desacompanhada. Feita boneca de cristal, que se parte em cada queda só para se poder montar toda outra vez. Feita princesa. Feita mulher.

Feita eu…

09/06/2005

O último acto - Acto contínuo

Acordei.
O céu estava frio, ferido de tanto azul. O sol envergonhado. E as nuvens, calmas, passavam devagar, como pinturas com asas.

As gaivotas invadiram me os ouvidos com cânticos de final de dia, manchando o céu de reflexos dourados. O sol desaparecia e dava lugar aquela hora de sonhos cor-de-rosa.
Acabará de acordar.

Sai a rua.
Com os sonhos todos amarrados nos olhos.
Pousei as asas em casa e sai mais leve. Mais minha.
Não desejei levantar voo. Não pedi para me ensinarem a voar. Não inventei palavras para criar momentos elevados. Nem pintei horas para nos escondermos do mundo.
Foi o que sou.
[aqueles raros momentos de sinceridade eterna]
Não me menti, não me inventei, não me fingi.




O último acto acabou com as suas merecidas palmas. As cortinas fecharam. A sala esvaziou. Já passará tempo demais atrás das cortinas a espera de uma nova actuação. Acabou o teatro. Desceu do palco. Largou lá o seu fato de gaivota.
Deu-se ao mundo.
Afinal agora era só ela com os seus pés no chão.



Agora sou só eu com os meus pés no chão.
No acto contínuo da vida.

Viver.

E é tão bom…

03/06/2005

Fui eu que bati a porta?

Lembro-me só do barulho ensurdecedor da madeira velha. Do vaso velho que não quebra.
Não sei se fui eu que sai, se entrei, se voltei.
Lembro-me só que não me deste um beijo. Que não te beijei. Não te beijo mais.

Que quero o teu beijo. Mais.

Eu não ouvi. Tu disseste. Mas eu não ouvi. Chamaste-me de volta. Não voltei.
Sabes desde sempre que eu nunca sei o caminho de volta.
Desenho nos teus sonhos um mapa para me achares.
Tu não me achas. Não me procuras. Só me chamas. Mas eu não me sei achar. E já disse que não sei voltar.

Eu tento. Mas perco-me sempre.

Se quiseres, vais ter de desamarrar os pés do chão. Vais ter de te mexer. Agitar. Viver. Voar.
Se quiseres

Não precisas de procurar, eu estou aqui

Encontramo-nos num desses céus azuis, infinitos de prazer. Onde as nuvens fazem cócegas nos pés dos que sabem a altura do amor.


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