29/10/2008

Luz

Fechava os olhos e concentrava-me. E, na escuridão do meu ser ouvia a música que dava ritmo aos meus passos. Havia pouca luz na sombra do meu destino. Mesmo assim, quando entrava pela porta de casa corria escadas a cima, mesmo sem acender a luz, mesmo de olhos fechados. Havia dias que tropeçava num degrau - sempre o mesmo -, havia dias que os saltava de dois em dois, havia dias que ia a cantar, e uns quantos a chorar. Abria a porta do quarto, que já fazia o mesmo barulho que hoje tanto te irrita, deitava-me na cama de olhos bem abertos e sabia que era a escuridão o meu destino sossegado.
Nunca procurei perceber onde se acendiam as luzes na minha casa. Porque há caminhos que sabemos de cor e outros que não queremos conhecer.

Quando naquele dia de Verão te abri a porta, tinha todas as janelas fechadas, senti-te franzir a testa e sorri. Eras daquelas pessoas que preferem ver o caminho e, por isso te deixei aproximar de mim. Foi a total falta de acordo dos teus sentidos com os meus. Foi a desigualdade do teu ser perante o meu. Eu gosto do escuro, do silencio, do vazio. Tu gostas da claridade, das palavras ditas na altura certa, do abraço apertado.
Não sei como se processou o resto da história, nem quando chegará o seu final. Sei que um dia cheguei a casa, tropecei no degrau de sempre, abri a porta do quarto. Tu esperavas-me no quarto que deixou de ter proprietário individual e passou a ser colectivo. Ao teu lado uma luz ténue, de um candeeiro que eu nunca tinha visto, estava acesa. Parei durante uns segundos, fechei os olhos. Agarraste-me nas mãos, conduziste-me ate a cama.

- Abre os olhos.

E eu olhei-te pela primeira vez sem sombras.
Deixaste de ser o desconhecido esquisito que questionava as minhas preferências.
Não poderia mais negar a tua existência em mim.


- Queres que apague a luz?
- Quero

Tudo o resto foram movimentos indefinidos do que somos quando estamos juntos. No
silencio da escuridão, os teus lábios acharam os meus.
Quando todas as luzes se apagam, há uma luz dentro de nós.

Somos feitos de luz

02/10/2008

No plano que traçaste para atravessar a minha vida, esqueceste-te do principal, do pedido de autorização. E quando já moravas no meu espaço, tiveste vergonha de voltar ao ponto de partida. Eu fui coabitando com a tua existência em mim, dia apos dia, ate que deixei de nos distinguir, e deixei de saber quem tinha feito os planos para nós. Os desenhos que ias fazendo para o nosso futuro eram coloridos por mim, era um trabalho a duas mãos. Quando chegaste e me mostraste os teus sonhos, julguei que era dos meus que falavas.
Sou quem sou porque me quiseste assim.
Havia uma folha de papel no móvel junto a porta de entrada, onde tinhas escrito o teu plano, nunca lhe prestei atenção e, com o passar do tempo foram-se acumulando outros quantos papeis com outras coisas sem importância. Construí a minha vida em cima de um plano que desconhecia por completo. Tu ignoravas o facto de eu ignorar os teus propósitos. E na ignorância da nossa relação vimo-nos sem relação nenhuma.

Fui por breves segundos na minha vida aquilo que fizeste de mim. Fiz dos teus planos a minha estrada. Construí toda a minha personalidade a volta disso. Foi uma fracção de segundos, no total de dias de que é feito a minha existência. Foste uma historia sem ponto final durante tempo de mais.

Quando saíste, exactamente com a mesma pressa com que entraste, tive a certeza que não voltavas mais, porque nunca cá estiveste realmente.

E a casa que construímos nos nossos sonhos é um sonho que nunca existiu.

"I'm not to end in shame
to fight an endless lie
I'm not to play a game
I won't be on your side"

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