31/12/2008

Perfume

Pego no meu melhor perfume e espalho-o por toda a casa, directamente nas paredes. Não me esqueço de nenhum canto, porque em todos os cantos, mesmo os mais escuros, foram cantos onde te amei. Deixo o frasco de perfume, vazio, pousado em cima da nossa – perdão, da tua – cama. Desço as escadas com pouca pressa. Porque nunca tive pressa de cá chegar. Bato a porta com força moderada. É velha a porta dos nossos sonhos e, hoje, ainda não é dia de a deitar a baixo. Rodo a chave uma só vez. Deixo a casa trancada e as janelas todas fechadas. Esqueço a morada. Subo a rua ate deixar de saber onde estou. Qualquer caminho que me leve para longe de mim é um bom caminho e, só assim chegarei onde quero. E vou. Sem despedidas, porque as palavras já as gastamos todas. Sem beijos. Sem cor. Vou, vazia de nós, vazia de mim. Vou sozinha.

Quando chegas a casa abres a porta um pouco empenada, já há muito que não voltavas lá a nossa – tua – casa. Reparas que o pó se foi acumulando, algumas teias de aranha desenham sombras dançantes no tecto. Estranhas. Nunca viste a casa assim, meio abandonada, um pouco sombria ate. A medida que vais avançando ao longo do corredor sentes o meu perfume. Abres um sorriso.
Mal sabes tu que de mim, aí, resta uma sombra do que fui, um odor bolorento do meu amor por ti. Mal sabes tu que na tua prolongada ausência eu morri, aos poucos, devagar e, sem dor.

Enquanto caminho nas ruas frias da cidade que me acolheu, sinto no fundo do bolso uma chave.
Há sempre uma forma de voltar atrás. Há sempre uma maneira de regressar a casa. Vai haver um dia em que os nossos sonhos rebentam dentro de nós e eu volte a saber a morada do meu coração. Hoje é só a chave da porta que eu não sei abrir.

Se abraçasses a noite
Saberias de mim

18/12/2008

Coisas que se dizem...

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- Queres que volte amanha?
- Não.
- Então?
- Quero que fiques para sempre


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- Porque tens medo de ficar comigo?
- Porque seguras no meu coração só com uma mão e tenho medo que o deixes cair

(Olhando para as mãos vazias)

- Mas não está cá nada.
- Vês? Por isso não quero ficar contigo.


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Coisas que se pensam...








Apanha os frutos que caiem ao chão.
É quase Verão dentro de nós.







[senti a necessidade voraz de escrever a palavra Verão em qualquer lado, pode ser que me aqueça os dedos]

Quarto Escuro [O lugar de dentro]

Ele despertou, meio atarantado e não pestanejou, abriu muito os olhos e procurou uma ponta de luz que se pudesse ter esgueirado por uma qualquer janela mal fechada, não encontrou nada senão escuridão.


Não há janela mal fechada que permita um pouco de luz nos sítios que ficam por
dentro de nós.



Levantou-se assim mesmo, deu quatro passos paralelos à cama e apalpou no ar ate encontrar o sofá. Conhecia o quarto mesmo às escuras e, apesar de se sentir um pouco atarantado não perdeu o equilíbrio, encontrou a sua roupa e vestiu-se. Fez pouco barulho para não a acordar, a ela, que descansava do outro lado da cama.
Apalpou a parede ate encontrar a porta, levou a mão ao puxador, estava trancada. Voltou a fazer o caminho de regresso ate a cama e procurou em cima da mesinha de cabeceira a chave. Nada. Afastou-se da cama e procurou na parede lateral por uma janela que pudesse abrir para deixar entrar um pouco de luz.

Mas não havia janela.

Despiu-se e meteu-se na cama de novo. Onde ela já não estava e, ele continuava a ignorar a sua ausência.
Amanha tentaria de novo.



Porque há um quarto escuro onde te guardo dentro de mim. Um dia ao olhar para lá vou ver uma pequena mancha escura apenas. Um dia vou deixar de te ver aos pulinhos de um lado para o outro a tentar sair de mim.
Talvez nesse dia haja uma janela mal fechada pela qual passe um pouco de luz. Talvez nesse dia abra a porta e tu prefiras ficar.

02/12/2008

Cala-me

Dizes que falo de mais, que me exprimo de mais. Dizes que digo parvoices e, eu explico-te que é parvo o que sinto. Dizes que há verdades que não se dizem, pedes que me cale, dizes que não me queres ouvir, dizes que não entendes do que te falo quando te falo a 200km/h, numa velocidade de pensamentos estonteante. E usas os teus truques para me manter calada. Falas de mais para me veres fascinada pelas tuas palavras enquanto as minhas ficam presas na garganta e não saiem. Fazes-me rir para abafar as coisas que poderia dizer, quando tu não me queres ouvir. Ocupas-me o tempo e o espaço, para eu perder as ideias que quero partilhar. Cala-me.
E eu não me calo, partilho o que sinto, o que não sinto e o que gostaria de sentir. Conto-te histórias minhas e dos outros. Falo-te do tempo, da falta de tempo, do mau tempo. Falo-te das coisas cor-de-rosa e das menos coloridas. Falo-te em princesas. Falo-te de fadas e de bruxas. Falo-te de coisas que nunca falei e, falo porque me apetece. Falo das coisas más e das coisas boas. Falo-te só por falar. Falo-te para manter os teus olhos presos aos meus. Falo-te para te poder ver rir de mim. Falo-te só para te mostrar a importância que tem ser ouvida por ti. Falo-te só para que as minhas palavras ao entrarem nos teus ouvidos levem partes de mim e, para que encontrem moradia dentro do teu coração. Falo-te para ficar do lado do avesso do que és.
Um dia, do lado de dentro, poderei falar-te ao coração e, aí sim vais me saber calar.



Cala-me, prende os meus lábios aos teus.
Cala-me.

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