23/04/2005

Nunca amei ninguém como a ti, e como a ti também, e como aquele outro que foi ao café fazer-nos companhia no outro dia. Nunca amei ninguém como a amo a ela, e a amiga dela também e aquela outra que apareceu do nada e agora é tão nossa também. Nunca pensei amar tanta gente assim. Nem nunca vos procurei. As vezes acho que vos magoa o facto de vos amar por igual, sendo vocês tão diferentes. Mas não consigo… Não consigo gostar mais de ti do que dele, ou do que da outra, ou do que todos eles. Alias amo vos por serem todos. As partes são me indiferentes.
Amo o que somos juntos e o que construímos, amo aquilo que partilhamos, amo as mentiras que contamos, as brigas que tivemos, amo os nossos segredos e as coisas que inventamos, amo os sítios onde nos escondemos e onde montamos quartel, amo as bebedeiras e as aulas que passamos juntos, amo os risos e as lágrimas de cada um de vos como se fossem de todos, amo os vossos ombros onde me deixo chorar, amo os vossos ouvidos onde sei guardar parte de mim, amo as vossas bocas donde vem as vossas criticas e os tão doces elogios, amo os dias que mal me falam e mais ainda os dias em que me procuram para falar, amo o sol que apanhamos na esplanada do bar e a chuva que nos molha a caminho de casa.


E perdoem-me por não vos amar como pessoas mas sim como um grupo.
São sem duvida os melhores amigos do mundo!!!
Tantos medos. Tantos sonhos. Tantas realidades. Tanto espaço para voar. Tanto chão frio para lamber. Temos sempre coisas a mais para pensar. É esse o nosso mal, não é?
Se só sentisse… Com os olhos, com o nariz, com a boca, com as mãos… Se tudo em mim fosse sentido e não pensado. Era mais fácil. Talvez mais difícil, mas tão mais justo que se tornaria mais fácil.

Se ao ouvir as tuas palavras, ao ler as tuas mensagens, ao provar da tua boca, ao me encostar ao teu corpo só te sentisse… Se não houvesse parte de mim a pensar em cada virgula que usas, em cada pedaço de corpo que beijas, em cada local que aqueces com as mãos. Se não houvesse uma parte de mim, que não sou eu, que me mente, que me finge, que me inventa. Tu sabes que me minto. Minto-me porque de tanto me pensar já não me sei. Tu sabes…

E quando dizes que me queres, que os fantasmas o vento os leva, que és meu, só meu, que me esperas. Quando me dizes a verdade, eu minto-me. Minto-me sempre. E minto que não acredito. E passo a não acreditar mesmo. Ate que me dizes outra vez e eu volto a acreditar e volto a ter de mentir para te dizer que não acredito. E não acredito.

Tanto mundo contra nós. Tem piada.


Percebi agora que a Gaivota afinal sempre soube voar, só que ganhou medo as alturas. Medo de se cruzar com os fantasmas que se arrastam ao sabor do vento. Assusta. Assusta ouvir os murmúrios dos fantasmas que passam quando estamos abraços. Vazios. Só nossos…

15/04/2005

"Parem!"

E se pudesse gritar “parem!” e tudo a minha volta parasse. Assim como numa fotografia onde só eu me podia mexer. Movia me entre os carros, entre as motos, no meio das pessoas que estavam no passeio, das crianças que corriam e ficava tudo parado. Só eu me mexia. Se pudesse entrar no autocarro chegar ao ouvido dela e dizer-lhe “Anda comigo”. E se ela viesse mesmo? E se o resto continuasse parado?
“Entra em minha casa!”, “Andem!”, “Sai!” “Parem!” e tudo voltava a parar e eu entrava dentro de um café ou de outra coisa qualquer e escolhia outra rapariga, chegava perto do ouvido dela e dizia “Anda!” e ela vinha. Era tão fácil assim. Era só chegar bem perto e dizer “Vem!”. Andei assim durante uns longos anos. Fodia até não poder mais. E quando me cansava bastava dizer “sai!”.
Elas vinham sempre comigo, sempre que queria, e eu queria sempre. Fodia modelos, artistas da novela das oito, gajas boas, o que me apetecesse. “Fode comigo” e elas fodiam. Sabia me bem ter qualquer mulher na mão. “Parem!” o mundo parava e eu só tinha de escolher.
Um dia uma grande amiga minha cansada de me ver sair sempre com gajas diferentes atirou-me a cara que eu era um gajo solitário e frustrado.

Tu não sabes o que é estar com alguém, o que é ter uma relação, estar ligado a alguém.

Gritei “Pára!” e ela ficou lá, no sítio onde me espetou com a verdade dela na cara. Confesso que não lhe liguei nenhuma na altura, mas aquela história da relação começou-me a estragar o tesão. Percebi que as gajas com quem fodia nem sequer sabiam o meu nome. Comecei a mudar os meus hábitos. Quando chegava a minha casa antes de a mandar foder-me falava com ela. “Diz me o teu nome!”, “fode-me”. Depois o sexo começou a ser frio. Reparei que elas nem fingiam ter prazer e então mandava-as gritar, e elas gritavam, mas eu tinha de lhes dizer o que queria que elas gritassem. E nem assim. O mais próximo que tive de uma relação, de uma verdadeira ligação com alguém foi quando percebi que se as mandasse ter prazer elas realmente teriam prazer e então passei a dizer “Goza!” e elas realmente gozavam…

Outro dia passei por perto do sítio onde esqueci a minha amiga e ela estava lá, parada. Cheguei perto do ouvido dela e disse-lhe “Desculpa!”. Agarrei a mão dela e jurei que nunca mais a largaria. Os olhos dela estremeceram e as lágrimas brotaram.

Não me vais ordenar para que fique? Para que te foda?

Não… Só quero que me ames pelo que sou!

11/04/2005

Não me aches frágil

Se as minhas mãos tremem e a minha voz me falha, não me aches frágil. Sou só muito má a mentir. Se os meus olhos me denunciam as mentiras, não me aches frágil. Sou só muito má a mentir. Se as minhas frases não fazem sentido, não me aches frágil. Sou só muito má a mentir.


E se um dia me pedires a verdade, levas a mentira onde te agarras, onde me agarro, a única mentira que sei manter. A mentira mais verdadeira que conheço. Chama-se amor, tem asas de ouro e o seu travo é mel.
Se um dia a noite me exigir amor, amor darei, sem receios, sem ter as mãos a tremer, e sem a voz me falhar, sem os olhos me denunciarem. Darei amor quando a lua me o exigir

Talvez porque não seja mentira.
Talvez porque seja a melhor mentira que tenho.
Por ti

07/04/2005

gaivotas que não sabem voar

Duas da manha. A lua alta. O cheiro a terra molhada. As lágrimas a dançarem-nos nossos olhos.
As estrelas dos outros, as nossas, as que roubamos.

Os pés presos à terra por raízes milenares.
As asas abertas.
Os olhos no horizonte.

Os nossos corpos separados por um fino papel que finjo ser muralha. O teu calor. O meu cheiro.
A tua alma.
A minha alma.

[Julgo que as nossas almas brincam as escondidas em noites que julgava para sempre perdidas. Julgo que a minha alma sorri sempre quando encontra a tua. Julgo alias que as nossas almas sempre estiveram juntas, lá no sitio das almas, onde não há papeis para desenharmos muralhas, onde não há brinquedos para fazermos de armas.]

Três da manha. Lua tapada. O som da chuva a cair no chão. As lágrimas a lavarem-nos a cara, espelhos de alma.

Um sopro, um vendaval em mim
O papel desfaz-se, a muralha cai
Agora sou só eu
E eu quero ser em ti.

Os nossos corpos juntos, presos, ancorados. O teu gesto. O meu medo. Toda a nossa vida e um céu pela frente.

“Está na hora…”

Sete da manha. Tenho um autocarro para apanhar e um exame para fazer. Tenho histórias para inventar. Tenho mentiras para confessar. Tenho um sonho para me encher a alma de esperanças que um dia o fim não seja o nascer do sol.

Lá fora as gaivotas.
Gaivotas que não sabem voar e se estilhaçam em lágrimas pelo mundo.


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