22/02/2005

"A manhã é ainda lunar.

Nunca mais poderei deixar o meu corpo esquecido junto ao teu. O mundo que não existia longe da tua pele. Os meus dedos a deslizarem pela superfície da tua pele. E o desejo enganava-nos. Os meus dedos entre os teus cabelos e a inocência. A claridade dos dias que nasciam na tua pele branca, na forma suave da tua pele feita de silêncio. A inocência repetida em cada palavra da tua voz, como água de uma fonte, como a minha mão a atravessar o ar e a dirigir-se para o teu rosto. O teu olhar era a inocência. O meu olhar. E o silêncio de cada vez que queríamos falar de assuntos mais impossíveis do que a memória. Nunca mais poderei sonhar porque tu não estarás ao meu lado e, descobri hoje, só posso sonhar contigo ao meu lado. Espetada infinitamente em mim, uma faca infinita. Deixei de imaginar o futuro. Sobre esse tempo que não sei se chegará existe um manto muito mais negro do que aquele que cobre o passado. Não consigo olhar através desse tempo negro. O futuro estará depois de muitas noites, mas eu deixei de imaginar as noites. Sei que, da mesma maneira que esta noite se cobriu de manhã, esta manhã poderá anoitecer. Consigo imaginar cada tom das suas cores a tornarem-se negras. Não consigo imaginar este tempo a transformar-se noutro tempo. Contigo, perdi tudo o que fui para não ser mais nada. Deixei-me ficar nos sonhos que tivémos. Abandonei-me. Nunca mais entenderemos a lua como quando acreditávamos que aquela luz que atravessava a noite nos aquecia.
Nunca mais. Nunca mais poderemos sonhar. Nunca mais.
O brilho nas pedras do passeio. Dentro do nevoeiro, há pontos de luz mais grossos a brilharem. Moedas lançadas para um lago cheio de desejos.
Caminho entre o brilho. Os meus passos afastam-me de nada. Existem veios de medo na brisa que atravesso. Linhas de medo que me tocam a pele. Atravesso a brisa e sou atravessado por uma voz que me diz: não podemos ser felizes. O medo. Sobre mim, o céu é o tempo do mundo. Todo o tempo de todas as pessoas do mundo. O céu é nunca mais. A lua somos nós, aquilo que fomos. Como a memória, a lua existe nesta manhã para nos lembrar que existiram noites, que existiu esta noite em que nos separámos. Caminho sobre a organização das pedras do passeio, a organização do nevoeiro.
Rodeada pelo tempo do mundo, por nunca mais, a lua somos nós."



José Luís Peixoto
(Influenciada pela Mónica)


As palavras como murros [como nós gostamos] e, a morte como um Fim traçado, infinito.

Gosto mais dos Finais, são sempre o inesquecivel da história.

[Como já devem ter reparado mudei o sistema de comentarios (graças a ajuda da CPC), só o mudei porque assim se torna mais facil para voces comentarem e, também porque me explicaram que os antigos comentarios continuam cá (basta clicar no link que marca as horas em que o texto foi publicado)... Pois é,porque este blogue é feito dos vossos comentarios]

Um beijo*

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