30/01/2005

Todas os dias fico acordada ate à uma hora, a maioria delas deitada na cama, desassogada no sossego sombrio do meu quarto. Arranjo a almofada mais de mil e uma vezes, aconchego-me nos cobertores. Fico sempre semi deitada de luz apagada. Às vezes acompanha-me uma música suave. Outras acompanha-me o meu silencioso pensamento.

És um rapaz ocupado, trabalhas de segunda a sabado ate à meia noite. Dormes ate tarde. E passas a tarde a brincar com as meninas que te vão passando pela vida. Tenho o privilegio de não ter passado. Sou uma marca presente, talvez eterna.

Criamos uma amizade infantil, cheia de manhas e jogos de sedução. Alimentamos um sentimento que não queremos perceber porque isso estragaria a piada da brincadeira. Não vamos passar daqui, não queremos passar daqui.

Temos uma necessidade, estupida, de nos mantermos sempre perto um do outro. Quando não estas muito ocupado no trabalho lá arranjas tempo de me mandar uma mensagem a relatar-me quantos pratos já lavaste, quantas pizzas ja serviste. Enches-me o telemovel com as letras das músicas que são pedaços de ti, pedaços de nós. Nunca ficas sem resposta. Não te sei ignorar, nem quero.
Raramente sou eu a primeira a mandar mensagem [hoje vou ser...] corro o risco de não ter resposta, corro o risco de não dormir, a espera de resposta. O mal é que não devemos nada um ao outro. Não te posso exigir atenção, nem te pedir que estejas sempre pronto para me responder. Temos, normalmente, a leviandade de dizer Estou sempre aqui, para ti é uma quase verdade que nos deixa bem.
Quando estas mais ocupado, passas a noite sem me mandar mensagens. Mas eu sei que quando chegares a casa, ao conforto seguro da tua cama, não vais pensar numa dessas meninas que te faz parecer uns dez anos mais novo, vais-te deitar, apagar a luz, pegar no telemovel e mandar uma mensagem para mim.
Porque sou eu, está que tu chamas de amiga, que te acalma a alma e te pinta os sonhos.

...E eu fico acordade ate a essa hora [normalmente uma hora da manhã] ate o meu telemovel acender a luz e eu ler uma mensagem tua. Diz sempre o mesmo, o suficiente para poder dormir sossegada.

Boa noite princesa
(...)
Boa noite querido

27/01/2005

Senta-te um pouco, espera um pouco

Hoje as arvores estão cobertas de ouro, ou então despidas de tudo. Hoje o sol brilha, longe. Hoje o céu é azul, claro. Hoje as nuvens são farrapos dispersos de sonhos perdidos.
Hoje o rio corre ainda com mais pressa para o mar. Hoje o ar assobia-me aos ouvidos, vento. Hoje, um dia igual a todos, marcado pela tua presença.

-O meu nome é Miguel.
-Desculpa, não te conheço.


Negar-te-ei o resto da vida, para que a possa viver por mim. Não vai ser pelos teus olhos azuis, céu. Nem pelos teus cabelos dourados, arvore. Não vai ser por esse brilho que lanças com cada olhar, sol. Não vai ser por essa tua forma desajeitada de ser, rio. Não vai ser pelas palavras doces que me lanças ao ouvido, vento. Que me vou perder em ti.
Negar-te-ei com todas as minhas forças e, esta é a única forma de não me negar a mim.

-Mas ainda vais a tempo de conheceres…
-Mas, eu, não te pedi nada.

E se te pedir vai ser para que desapareças…

Construí uma muralha de cartão, não há maneira de cá chegar. Tranquei-me a mim num mundo de imaginação e, de cá não quero sair. Podes gritar. Podes chamar por mim. Podes tentar trepar o muro que nos separa, mas a caminhada é sempre demasiado grande para quem não sabe onde quer chegar.

Senta-te um pouco, espera um pouco.

Sabes Miguel eu não sou da cor que pinto as minhas paredes… Se é por ai que queres entrar mais vale ficares de fora só a olhar… Cá dentro é um turbilhão sem dimensão. Uma coisa que tu não saberias aguentar.

Mania nossa de mergulharmos de cabeça no desconhecido… No negro das horas... No vazio dos dias...

20/01/2005

...

Sei lidar muito mal com a morte, ou talvez me limite a não lidar de forma alguma com ela.
Quando me morre alguém conhecido tenho o hábito de libertar meia dúzia de lágrimas saudosas, mas só após alguns dias da fatalidade. Afinal de contas como podemos sentir falta de alguém no momento que sabemos que não a vamos ver mais? As coisas comigo não funcionam assim. Não sei bem porque. Devo ficar por algum tempo ainda na esperança de lhe voltar a sentir o cheiro. A verdade é que não sofro com a morte em si, mas sim com a ausência permanente dessa pessoa na minha vida.

Isto é um não aceitar a morte, é possível que assim seja. Mas para mim é como se as pessoas simplesmente deixassem de ter tempo para estar comigo. Fossem para outro lugar, longe, sem telefones.

Ate o dia de hoje, ainda não matei ninguém dentro de mim. Por isso a meu ver o conceito de imortalidade é mais que concebível. Sinto uma dor prolongada por cada morte, porque são as saudades que me fazem chorar.

Hoje sentei-me a pensar em todos aqueles que já desapareceram da minha vida, uns morreram, outros simplesmente desapareceram, estupidamente sinto por todos o mesmo. Esta saudade enorme, que me faz chorar. A todos eles sei que não os voltarei a ver. De todos eles vou sentir falta.

Mas gostava mesmo de saber (curiosidade infantil) o que se vê quando se fecha os olhos para sempre…

18/01/2005

Cartas, mails, mensagens e afins...

Hoje em dia, os miudos (e nós tantas vezes) mandam as suas doces (ou duras) palavras por SMS, elas voam a uma velocidade hilariante e só param quando chegam ao destinatário. Eficaz, sem duvida.
As mensagens que mandamos vão sempre incompletas (não vos parece?) Limitam-nos as palavras a uns quantos caracteres que temos de respeitar para não pagar um balúrdio. Ás vezes apetece-nos dizer tanta coisa, mas não cabe tudo e dizemos só o essencial. Só que o essencial nunca é suficiente.
A sms é assim a maneira facil de dizer amo-te. Mandam-se beijos em forma de asteriscos (deve ser para poupar caracteres). Diz-se ola e adeus numa frase só. Repito é uma forma mais fácil de comunicação. Mas não perdem, assim, as palavras o seu valor?

Os mais crescidos que tem sempre mais qualquer coisa a dizer, e não gostam de limites, usam o tão conhecido email. Chega quase em tempo real. É de graça. E tem a vantagem de se poder anexar fotografias e documentos. Pode se considerar então um email uma sms com anexos e sem limites de palavras... Parece-me ainda mais vantajoso. Eficaz, fácil, prático. (Só não dá milhões!!! pelo menos ainda)

A típica carta, escrita a mão, com a nossa letra a marcar o ritmo, morreu há muito tempo. Afinal de contas que vantagens teria escrever a alguem? O incomodo de sair de casa para ir aos correios, pagar o selo, e saber que o destinatario só a iria ler passado alguns dias... Parece realmente que a carta morreu já a algum tempo. Afinal de contas receber os emails, as mensagens são quase o receber uma carta quando acaba de ser escrita. Mas falta-lhe a letra, o cheiro, a irregularidade de quem a escreve.

Digam-me, por favor, que voces ainda se lembram de receber uma carta e de lhe sentir o cheiro, digam-me que ainda se lembram de pintar os labios para os marcar no final da folha. Lembram-se ainda de não perceberem uma parte importantissima da carta porque a letra estava borratada ou simplesmente por que a ortografia era terrivel.
Eu lembro-me... E tenho saudades...

A verdade é que mais uma vez vos deixo com as minhas palavras, mas sem o meu cheiro sem a irregularidade da minha letra. Aqui é mais fácil escrever. É mais fácil fazer delete e começar de novo. Repito, mais fácil, talvez menos importante.
Mas foi esta a forma que encontrarmos para nos mantermos juntos, sem nos conhecermos, num anonimato engraçado que nos tira a importancia...


Tenho pena de terem matado as cartas...

17/01/2005

Volta depressa (Carta 3)

Porto, 30 de Junho de 2004




Semana infernal. Onde estas tu super-homem? A salvar o mundo inteiro, menos a mim. Eu também preciso de ti.
Será que nunca te apercebeste que eu precisava de ti? Sempre fui muito independente, só. Mas quando entraste e me trouxeste uma vaga de ar fresco, habituei-me a isto. Agora fechas as botijas e levas a loja para outros pastos. Abro as janelas para respirar.
Estas bem? Todas as noites me pergunto. Estas bem? Quero te bem. Talvez nunca tenhas percebido que tudo o que quero e sempre quis foi que estivesses bem, independentemente de isso poder implicar que te afastes de mim por uns tempos e talvez um dia quem sabe te voltes a cruzar comigo, num desses caminhos sem fim que a vida nos proporciona. Independentemente de tudo nunca me interessou a proximidade entre duas pessoas, mas sim a sua cumplicidade. Sou tua cúmplice. Quero te bem. Longe. Quero te meu, perto.
Negar-te seria negar-me. Quero-te. Quero o teu riso. O teu olhar. O teu andar. Mas não precisa de ser hoje, nem já.
Amo-te. Amo-te com todo o que tenho. E não tenho medo de o dizer. Alguma vez te disse? Creio que não. Creio que não precisavas de ouvir. Há coisas que só se sentem. E ao dize-lo só iria minimizar tudo o que sentia e, sinto por ti. Sempre duvidamos do amor. Passávamos horas a falar sobre se existia mesmo esse sentimento, ou se simplesmente tinha sido inventado para nossa infelicidade. Achávamos que os Homens procuravam em toda a sua existência esse sentimento, e não o realizando, em nenhum estado de vida, morriam frustrados. Limitamo-nos a acreditar nisto para nunca nos frustrarmos. E se agora te disser que tenho a certeza que esse sentimento existe? Chamemos-lhe amor para facilitar. Entrei numa nova dimensão. E tu não estas cá para partilhar isso comigo. Volta depressa.
Irrita-me o teu silêncio. Irrita-me a tua distância. Volta depressa.
Tenho saudades do teu cheiro a mar.
Sou feito de ondas
Oh se eras… um mar imenso onde eu só queria mergulhar.
Tenho saudades do teu sabor salgado.
Sou feito de maresia
Calma, incerta, violenta, intensa… oh se eras… e eu só queria viajar no teu corpo, noites e noites sem fim, distinguindo o dia da noite apenas pela luz trémula que teimava a entrar pela a janela mal fechada.
Tenho saudades tuas. Lembras-te do quanto nos riamos da palavra saudade? Só portuguesa mesmo. Procuramos em todas as línguas e dialectos. Ninguém mais tem saudades. Então achávamos que as saudades não existiam, que nós as inventávamos para sofrermos mais um pouco.
Pois, agora, riu-me do que dizíamos.
As saudades existem, sentem-se, vem-se, saboreiam-se. Saboreio cada dia da tua ausência como um sabor de um gelado novo. Sentes saudades minhas? Ao menos faço te falta?
Sonhador. Pescador de sonhos. Incompreendido pescador de sonhos. Volta depressa.

Ganhaste me na rifa tolinho.

16/01/2005

Volta depressa (Carta 2)

Porto, 21 de Junho de 2004




Não dormi hoje. Desassossegada com o sossego do mundo. Sempre inventei um mundo cor-de-rosa a minha volta que sabia não existir. Sempre te fiz crer que achava tudo perfeito. Agora que tu não estas desassossega-me o perfeito. Pintava o mundo assim para ti. Sei que te apaziguava a alma. Sei que me procurarias todas as noites para te acalmar. Fiz me teu porto de abrigo. E agora perdeste a ancora, a bússola, o norte. Não sabes onde é a tua casa? Volta rápido.
Sei que te cativava a minha vida, a minha alegria, a minha juventude. E agora roubaste-me. Estou velha, cansada. Uma autentica peter pan no mundo mortal dos sem imaginação.

Encontro-te muitas vezes em sonhos, em esquinas, em caras, em corpos. Encontro-te em sabores que desconhecia, em cheiros, em texturas que não sabia existir. Vives em tudo o que toco, em tudo o que olho.
Poderei levar uma vida a perceber o teu silêncio. Ou então tudo se esclarecera quando um dia tiver o privilégio de te olhar outra vez.
Alguma vez te disse que os teus olhos falavam?
Alguma vez te disse que os teus olhos me substituíam o mar salgado onde cresci? Alguma vez te disse a vontade que tinha de mergulhar neles? De um verde tão puro, tão teu, tão fundo. Alguma vez te disse que todas as tuas palavras só tinham sentido quando os teus olhos as diziam? Ah, pois, os teus olhos falavam, cantavam, dançavam. Que saudades que tenho dos teus olhos.
Que saudades que tenho do revirar dos teus olhos. Quando te irritavas comigo. Quando te fartavas de esperar. Quando já não podias mais. Quando explodias de ódio e, de amor. Os teus olhos sempre falaram mais que tu. Quando as palavras não podiam ser ditas, porque os nossos corpos eram uno e nossas bocas estavam coladas, os teus olhos gritavam. Raramente os fechavas. Quando os fechavas era por desânimo, cansaço, desprezo. Quando os reviravas era por puro amor. Mesmo quando o fazias irritado comigo.
Faz-me falta o revirar dos teus olhos porra.

Volta depressa.

15/01/2005



Procuro-te ainda nos lugares que foram nossos.
Lá só resta o nosso cheiro, aquele cheiro a amor que faz as flores crescerem mesmo sem Sol.
Resta uma cadeira vazia, onde me sento hoje e relembro...

estava sentada nesta mesma cadeira a teu colo



Amo-te tolinha



talvez seja invenção minha, talvez nunca me tenhas dito tal coisa...
ainda vens a tempo...

14/01/2005

Volta depressa (Carta 1)

Porto, 18 de Junho de 2004




Exactamente um ano. Nem um telefonema, nem uma carta, nada. Remeteste-te ao silêncio absurdo que só os mortos conseguem manter. Como conseguiste fazer de conta que não existo?Como conseguiste matar me em ti tão facilmente. Aparece-me ao menos em sonhos e ensina-me a esquecer-te. Ou melhor mata-te dentro de mim, porque eu não sou capaz de o fazer.
Ainda hoje me vejo a olhar ao espelho e a perguntar por ti. Continuas cá dentro. Fugiste com a pressa que eu te ensinei e com a força que eu te dei. Fugiste de mim, ou talvez do mundo e levaste me contigo para esse mundo de não existência onde teimas em existir sem mim. Pergunto ao espelho se voltaras. E se voltares, se voltaras para mim.
Só hoje quando abri os olhos de manha e senti que não estavas ao meu lado, tive a certeza que tinha de continuar a escrever.
Ainda te lembras do quanto eu gostava de escrever? Principalmente para ti. Quanto menos, para ser lido por ti. Todo o meu trabalho só tinha valor quando os teus olhos o tocavam e o apreciavam. Eras o meu árbitro favorito, o meu juiz parcial.
Decidi hoje escrever-te pela primeira vez desde a tua saída brusca da minha vida. Não vou dizer que já tenho a alma apaziguada, ou que já só me sobra uma doce lembrança. Mas é exactamente por isso que te quero escrever agora, enquanto ainda me enches o coração numa existência interna. Enquanto ainda tenho muito para te dizer, e não me cubro de lembranças subtis que disfarçam os sentimentos de passado.
Ainda há muito aqui de ti, a espera de ser resgatado, a espera do seu dono. Passei este ano a olhar para o céu. É muito mais fácil olha-lo, do que lá viver. Mas quando vivia contigo, vivia nas nuvens, a brincar com os aviões. E agora o que mais quero é que um desses aviões que nos serviam de brinquedo se transforme no transporte redentor e me traga a boa nova da tua volta. Mas todos os aviões que cruzam os céus vêm vazios, sem ti.
Gritei-te durante todo este ano, volta depressa. Não me ouviste? Não sei onde estas, como estas, com quem estas. Mas também não me interessa, o meu berro é mais forte, maior que qualquer distancia. Só o vácuo o pode calar. Mas isso significaria ausência de sentimento, e eu sei que por mais distante que estejas sentimento não te falta.
É estúpido escrever-te só para eu ler. Não tenho um endereço, um telefone, nada. De ti aqui resto eu. E tudo o que construímos juntos. Não me deixaste uma pista do teu futuro. Expulsaste me quase mesquinhamente, apesar de saber que continuas meu, mesmo na china, ou no Alentejo. Se tinhas tanta pressa de ir porque não me levaste contigo?
Estou cansada principalmente de não ter ninguém a quem contar todas as trapalhices em que me meto. Sinto a tua falta, e sei que te faço falta. Estas incompleto, e deixaste me incompleta. Não esta na hora de voltares?

12/01/2005

Sei lá

Tenho a certeza que hoje choveu. Não sei porque. Talvez o Sol se tenha zangado comigo. Talvez a chuva tenha tido saudades de me fazer cocegas nos olhos. Não sei. Sei só que hoje choveu e que te encontrei, por acaso, num daqueles sitios que chamamos os cruzamentos do mundo. As ruas de todos nós. Terreno neutro. Sei que já lá estivemos antes. De passagem. Como estivemos um na vida do outro (de passagem).
Sei que paraste a minha frente, fingiste um sorriso. Acho que falaste. Mas o que disseste... Sei lá! Qualquer coisa simpatica de certeza. Qualquer coisa conveniente.

Passei a mão nos teus cabelos, estavam encharcados e, o teu rosto gelado. Beijei-te.
Não sei se foi um ate amanha, ou um ate sempre.

Sei que tenho um gosto salgado nos lábios. Provei as tuas lagrimas, talvez as minhas(?).

Sei que amanha, talvez pela mesma hora, te volte a encontrar num desses sitios onde é fácil dizer adeus. Porque nenhum de nós está realmente lá.

Não sei se vai haver chuva para nos esconder as lagrimas ou se haverá Sol para nos aquecer as paixões...

Sei lá...

10/01/2005

O meu desenho

Não sei o teu nome, nem a tua idade. Só sei que a cor dos teus olhos é diferente da minha. Sei que os teus cabelos são lagrimas. E que o teu corpo é um desenho meu.
Procurei, desesperadamente, o teu número na lista. Mas não havia lá ninguem com o nome menino dos olhos diferentes e do cabelo choroso. Procurei na net, por fotografias, mas não estavas em nenhuma.
Só te voltei a ver mais tarde, num sonho meu. Mas não tive tempo para te entregar esta carta. Estavas com pressa para partires para o sonho de outra menina. Eu não tenho ciumes, sabes? Afinal, és o meu desenho.

Acho que tu ainda não percebeste, mas não faz mal, é por isso que te escrevi esta carta.


Querido menino dos olhos diferentes e do cabelo choroso,

Vi-te ontem pela manhã a passeares nos meus lugares. Ninguem te disse que não se invade assim a vida dos outros? Tens de bater a porta, pedir licença. Tens de respeitar o espaço dos outros. Por favor, espera seres convidado. Não tinhas o direito de entrar assim, muito menos de lançar aquele olhar e deixa-lo lá.
Não tenho grande curiosidade em saber o teu nome. Não quero saber a tua idade. Não me interessa se tens filhos. Não me interessa se não gostas de mim. Se vives nas estrelas, na lua, por ai, perdido no universo.
Ninguem te disse que não se anda assim, perdido? Desajeitado? Ninguem te disse que não se fuma assim, tão lentamente? Ninguem te disse que não tens direito de passar a mão pelo cabelo dessa forma? Estamos proibidos de amar aqui. Não sei de onde vens, mas tens muito para aprender. Não podes cativar assim as pessoas. Não podes aparecer só quando te apetece e desaparecer quando me apetece a mim.
Não tens o direito de me estender a mão. E se eu aceito o convite? E se eu vou contigo, perder-me por ai, nesse universo, longe desses lugares onde me escondo de dia? E se numa dessas noites, num desses sonhos não volto mais? Não me prendas onde não me podes aguentar. Tu te tornas, eternamente, responsavel por aquilo que cativas.
Esses teus olhos são oceanos e, teus cabelos mares de lagrimas. Como posso não te amar?

Volta lá para a terra de ninguem e, não voltes a entrar em mim. Eu já te chamo. Quando eu quiser. Quando eu puder.

Não me ensines a voar.
Da, que irá ser, tua
Gaivota que não sabe voar

08/01/2005

Mata-me outra vez

Bom dia último dia.
Meu desejo é morrer na paz do teu beijo. Vou abrir a porta sem medo. Entregar-me como quem dá o que nunca teve. Desse lado sou tua. Mata-me outra vez como se nunca tivesse vivido.



Fala-me um pouco mais,
era tão bom ficar,
o mal é que eu já não sei quem eu sou...
eu não sei se eu sou capaz
de me ouvir

Fala-me um pouco mais,
era tão bom subir,
e dar o que eu nunca dei a ninguém
sei que é bom teu travo a tudo
o que é mortal

já agora, mata-me outra vez
era tão bom ter a ---
mata-me outra vez
era tão bom ter a ---
mata-me outra vez

mata-me outra vez

tudo tem um fim
aqui não há ninguém que eu possa ter um mundo para dar
se um dia eu voltar
vai ser só mais uma forma de me ausentar
daquilo em que eu não quero pensar

já tudo teve um fim
já que eu estou por cá
eu digo não é fácil para mim
se já não dá

sei que é bom teu travo a tudo
o que é mortal

já agora, mata-me outra vez
era tão bom ter a ---
mata-me outra vez
era tão bom ter a ---
mata-me outra vez

mata-me outra vez

páro de andar
páro pa te ouvir
páro para ver se é bom pra mim
se é melhor do que uma vida
tão só e velha
ninguém vejo o k é bom dizer
páro pra te ouvir ------- só
para ver se o futuro é para nós
para quem tem o mesmo mal de não saber amar
falo que pensar em mim
------------------
de acordar

Fala-me um pouco mais,
era tão bom subir e dar o que eu nunca dei
a ninguém
sei que é bom teu travo a tudo
o que é mortal

já agora, mata-me outra vez
era tão bom ter a ---
mata-me outra vez
era tão bom ter a ---
mata-me outra vez
Ornatos Violeta

06/01/2005

É assim que me deixas, quando sabes que nao me deixas para sempre

Estou preocupada, não recebo uma mensagem tua há mais de uma semana, já não me ligas há mais de um mes. Continuo a ver-te em sitios que não são nossos, onde tu nem me ves. Por mais que eu salte, grite não me ligas nenhuma.
Estou a ficar preocupada. Amanha vou vestir aquela saia preta, aquela camisola vermelha. Vou sentar-me a teu lado no cafe. Passar a mão nas tuas pernas. Aposto que vais vestir as tuas calças de ganga levi's e vais levar o teu casaco azul da gant. Vou te fazer sentir o calor do meu corpo. Vou te prender o olhar no meu peito. Vou espalhar o perfume dos meus cabelos pelo teu corpo.
Aprendi este jogo contigo. No fim, levas-me a casa. Agarro-te os cabelos (meio compridos, despenteados) puxo a tua boca para perto da minha. Quando sentires a minha respiração, quando respirares o meu ar, quando sentires a doçura dos meus lábios vou beijar-te a testa.
É sempre assim.
Quando entrar em casa vou ficar a janela a ver-te partir. Vais passar a mão pelo cabelo, puxar um cigarro, agarras no telemovel e ves que ninguem te liga. Vais desaparecer na curva, onde aposto que passado duas horas vais voltar a aparecer.

Vou correr para a banheira. Tenho duas horas, talvez menos. Vais chegar a casa e ligar-me. Ligas sempre.



Hoje já é amanha.

O meu telemovel esta a tocar a musica dos patinhos, sei que es tu. Corro. Tropeço. Atendo.

-Sim...
-Vais sair?
(Silencio)
-Esqueci-me de te entregar umas coisas sobre Estatistica. Vai-te fazer jeito.
-Hmmm, deixa na caixa de correio, não há problema.
-OK

Desligou. Meti-me no banho. Estive no banho ate sentir o teu carro parar em frente da minha casa. Desligas o carro. Sais e, encostas-te ao muro. Não te estou a ver, tenho as janelas todas fechadas, se fosses menos repetitivo e mais original talvez me supreendesses, mas cinco anos são cinco anos. O meu telemovel toca o sinal de mensagem.

"Estou a porta. Esta frio. Das-me cafe, eu partilho os cigarros"

Isto é um jogo, um jogo que a única maneira de vencer é fazer o adversario desistir.

"A caixa de correio esta atras do teu cú jeitoso"

Tenho a certeza que te estas a rir. Adoras rir-te de mim.

"Se for pelo dinheiro eu pago o café, mas aposto que arranjas mais mil e uma maneiras de me aquecer. Va la Patrícia!"

Normalmente sou eu a desistir. Normalmente já estaria a porta. Mas as coisas agora são diferentes. Temos cinco anos em cima. Estou enrolada na toalha colada a porta. Ouço-te la fora a atirar pedrinhas ao poste de electricidade. És um puto.

Corro para a cozinha. preparo-te uma caneca de cafe. Abro finalmente a porta. Estendo-te a caneca, roubo-te o cigarro. E preparo-me para fechar a porta. Mas tu es mais rapido. Entras. Fechas a porta. Encostas-me contra a parede. Tiras-me a toalha.

-Está frio, não está?

Pegas no cigarro que te roubei. Das-me a caneca de cafe

e sais...

05/01/2005

Lado (a lado)


Há gente que espera de olhar vazio
Na chuva, no frio, encostada ao mundo
A quem nada espanta
Nenhum gesto
Nem raiva ou protesto
Nem que o sol se vá perdendo lá ao fundo

Há restos de amor e de solidão
Na pele, no chão, na rua inquieta
Os dias são iguais já sem saudade
Nem vontade
Aprendendo a não querer mais do que o que resta

E a sonhar de olhos abertos
Nas paragens, nos desertos
A esperar de olhos fechados
Sem imagens de outros lados
A sonhar de olhos abertos
Sem viagens e regressos
Outro dia lado a lado

Há gente nas ruas que adormece
Que se esquece enquanto a noite vem
É gente que aprendeu que nada urge
Nada surge
Porque os dias são viagens de ninguém

Aprende-se a calar a dor
A tremura, o rubor
O que sobra de paixão
Aprende-se a conter o gesto
A raiva, o protesto
E há um dia em que a alma
Nos rebenta nas mãos


Mafalda Veiga

03/01/2005

Gaivota



Deus permita que os ventos me levem a bom porto...
Não sei voar...
Limito-me a planar...

Uma nova viagem se avisinha. Repouso procurando forças no Sol poente.

Boa noite 2005

1 de Janeiro de 2005


O meu egoismo permitiu-me alguns dias fora do mundo, alguns dias dentro de mim.

30 de dezembro de 2004

Os dias de 2004 já se atropelavam com pressa de passar, já não havia tempo para mais. O ano acabou muito antes de chegar 2005. Assim decidi partir, para longe, com uma mochila cheia de mim. Não gosto de despedidas e, não saberia lidar com a normal euforia estabelicida pelos banais mortais num dia como o último dia do ano. Assim afastei-me para perto de seres que não conhecem o calendario e, distinguem os dias das noites pela tenua luz das estrelas.

A viagem demorou apenas um par de horas. Retirei da mochila parte de mim e essa parte fez me companhia, tocando musicas tão minhas conhecidas (Eternos Ornatos). Assim com os ouvidos lavados do silencio urbano parti para o barulhento mundo natural.

A noite veio cedo, os dias ainda são pequenos apesar de terem 24horas como todos os outros... o relogio tocou doze vezes. O meu carro não se transformou numa abobora, nem sequer perdi um sapato. olhei pela janela para o horizonte recortado em forma de ondas. Também não havia sinal do principe encantado. E eu não era a bela adormecida por isso não dormi. Sentei-me na varanda e deixei-me respirar aquele ar cheio de deus.
Fumei o meu analgesico personalizado. as dores passaram, o coração já não me apertava. Provei um trago de vinho de uma garrafa que tinha caido por engano na minha mochila. Assim comemorei a entrada nas ultimas 24horas de 2004.

31 de Dezembro de 2004

Caida no chão da varanda. O cigarro numa mão, uma garrafa de vinho na outra, o olhar nas estrelas e o coração tão perto de ti. Mesmo assim desliguei tudo. Era só eu e o ceu. Tenho a certeza que não dormi mas mergulhei tão dentro de mim que me perdi em sonhos, mesmo acordada.
despertei de mim com o primeiro raio de Sol. Horas? Não fazia ideia, mas o ano estava com pressa de acabar e também já não se importava se saltasse umas horas a frente. Estava gelada.
Tomei um banho quente. Bebi um cafe a queimar. Sai para o sol. Na mochila parte de mim.
Caminhei durante tres horas. Ate chegar ao ponto mais alto.

Silencio

Não sei escrever isto. Não consigo contar. O peso do ar. O vento parado. A respiração ofegante. As pernas a tremer. Os olhos a chorarem do frio. O sol a aquecer a alma.

Eu. E o mundo

Tenho a certeza que deus passa ferias ali perto.
Deitei-me embrulhada pelo vento e acariciada pelo Sol. Fiz amor com as estrelas. Contei segredos a lua. Não havia banda sonora para nós. Não houve choro. Não me fez sorrir. Despedi-me de 2004 vendo o Sol desaparecer atras das ondas da terra. Despedi-me de 2004 sem ver ninguem a rir-se da desgraça das horas que findavam. Despedi-me de 2004 e do que 2004 trouxe para mim.

não ouvi as doze badaladas nem vi nenhum fogo de artificio. Mas as estrelas sussuraram-me ao ouvido que 2005 tinha chegado e que a contagem tinha começado de novo. Carrossel de horas.

Fechei os olhos. Quando os voltei a abrir o ceu azul escuro servia me de cobertor. Como um imenso mar profundo.

-Mergulhamos?

Quase juraria ouvir-te dizer

-Atão, não?

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails