14/01/2005

Volta depressa (Carta 1)

Porto, 18 de Junho de 2004




Exactamente um ano. Nem um telefonema, nem uma carta, nada. Remeteste-te ao silêncio absurdo que só os mortos conseguem manter. Como conseguiste fazer de conta que não existo?Como conseguiste matar me em ti tão facilmente. Aparece-me ao menos em sonhos e ensina-me a esquecer-te. Ou melhor mata-te dentro de mim, porque eu não sou capaz de o fazer.
Ainda hoje me vejo a olhar ao espelho e a perguntar por ti. Continuas cá dentro. Fugiste com a pressa que eu te ensinei e com a força que eu te dei. Fugiste de mim, ou talvez do mundo e levaste me contigo para esse mundo de não existência onde teimas em existir sem mim. Pergunto ao espelho se voltaras. E se voltares, se voltaras para mim.
Só hoje quando abri os olhos de manha e senti que não estavas ao meu lado, tive a certeza que tinha de continuar a escrever.
Ainda te lembras do quanto eu gostava de escrever? Principalmente para ti. Quanto menos, para ser lido por ti. Todo o meu trabalho só tinha valor quando os teus olhos o tocavam e o apreciavam. Eras o meu árbitro favorito, o meu juiz parcial.
Decidi hoje escrever-te pela primeira vez desde a tua saída brusca da minha vida. Não vou dizer que já tenho a alma apaziguada, ou que já só me sobra uma doce lembrança. Mas é exactamente por isso que te quero escrever agora, enquanto ainda me enches o coração numa existência interna. Enquanto ainda tenho muito para te dizer, e não me cubro de lembranças subtis que disfarçam os sentimentos de passado.
Ainda há muito aqui de ti, a espera de ser resgatado, a espera do seu dono. Passei este ano a olhar para o céu. É muito mais fácil olha-lo, do que lá viver. Mas quando vivia contigo, vivia nas nuvens, a brincar com os aviões. E agora o que mais quero é que um desses aviões que nos serviam de brinquedo se transforme no transporte redentor e me traga a boa nova da tua volta. Mas todos os aviões que cruzam os céus vêm vazios, sem ti.
Gritei-te durante todo este ano, volta depressa. Não me ouviste? Não sei onde estas, como estas, com quem estas. Mas também não me interessa, o meu berro é mais forte, maior que qualquer distancia. Só o vácuo o pode calar. Mas isso significaria ausência de sentimento, e eu sei que por mais distante que estejas sentimento não te falta.
É estúpido escrever-te só para eu ler. Não tenho um endereço, um telefone, nada. De ti aqui resto eu. E tudo o que construímos juntos. Não me deixaste uma pista do teu futuro. Expulsaste me quase mesquinhamente, apesar de saber que continuas meu, mesmo na china, ou no Alentejo. Se tinhas tanta pressa de ir porque não me levaste contigo?
Estou cansada principalmente de não ter ninguém a quem contar todas as trapalhices em que me meto. Sinto a tua falta, e sei que te faço falta. Estas incompleto, e deixaste me incompleta. Não esta na hora de voltares?

5 comentários:

  1. Nita, era inevitavel a minha vinda ao teu blog. Antes de mais nada, quero agradecer as palavras lindas que me deixaste... talvez precisamente por não me conheceres de lado nenhum, foram muito importantes! O meu sincero obrigada!
    Quanto ao teu blog, vou ser muito honesta... está muito bom! mas mesmo! Tu escreves muito bem, és simples directa, mas com veia de poetisa. Confesso que me chateia a sensibilidade exagerada em alguns textos, aquele meloso exagerado, aquele filosofar desnecessário... Tu, tens o tempero certo! A medida certa! Ninguém pode sair daqui e dizer que não entendeu o que quiseste dizer... e isso sim, faz de ti uma grande escritora! Lembra-te que no equilibrio é que está a essencia da vida! Sabes, quem me dera escrever como tu... sei que deves estar a pensar, ah mas tu escreves bem... eu sei, que remédio tenho eu, a minha profissão assim o obriga... Apenas tenho pena das palavras não me fluirem de maneira poética, assim como tu fazes, sem exageros e falsos moralismos! Continua, que tenho a certeza que irás longe! Já agora, não tenhas pancadas como eu tive... nada merece que desistemos dos nossos projectos e dos nossos objectivos.
    Só mais uma coisa... deu para ver que és uma pessoa linda! parabens nita! Virei cá mais vezes, sem dúvida!

    ass: Cereza

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  2. o destinatário ficará feliz ao saber novas tuas. pode não ser hoje, amanhã, no próximo mês ou no próximo ano. mas ele saberá. e certamente, nessa altura, se roerá por te ter feito esperar tanto. afinal, cada palavra tua (tão serena, tão sentida) são beijos que vejo no ar... à espera dos lábios certos onde hão-de cair. e do silêncio, me despeço. beijo grande

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  3. nita_ visitei hoje o teu blog pela primeira vez, não posso dizer que fiquei surpreendida, porque para além de de já ter tido o privilégio de te conhecer pessoalmente, não te conheço para tal, mas daquilo que li, posso dizer que te fiquei a conhecer um pouco melhor, tal como algumas pessoas, ficaste no meu rol das "invejas" pela maneira como escreves :). ****** nita_!!! adorei conhecer esta tua faceta e é claro que vou voltar! se para tal mo permitires :) ^Erina^

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  4. Deixem-me só dizer-vos mais uma coisa... Esta carta que escrevi (e as outras que ainda nao publiquei) não tem destinatario. (Felizmente) Não existe um verdadeiro endereço para as mandar. Claro que, não saberia escrever aquilo se muito do que lá esta escrito não fosse verdade. Mas são os sentimentos de todos nós. Isto não é o meu "diario"... É um grito de alma...

    Sem nome...

    beijinhos a todos e, obrigada por tornarem este cantinho mais interactivo.

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  5. "Por vezes a vida tem razões que a própria razão desconhece..."
    Por vezes tomamos opções ou cometemos actos que nem nós próprios sabemos porque o fazemos, o que não quer dizer que eles nos façam mais felizes, antes pelo contrário... pq a nossa vida só tem sentido perto daquela que nos completa e não adianta fugir...

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